EU TE AMO MAIS!!! NÃO. EU É QUE
AMO...
Em o Banquete,
diálogo platônico escrito por volta de 380 a.c., encontramos uma série de
discursos a respeito da natureza e das qualidades do AMOR. Longe de ser uma
explicação ou justificativa para o que sentimos, nota-se que há muito tempo
vários filósofos, poetas, artistas, cientistas e escritores enfrentaram, e ainda
enfrentam, o tema, tentando compreender as contradições e complicações
provocadas pelo deus EROS.
De acordo com
Aristófanes, o AMOR deve ser entendido a partir da história da natureza humana,
narrada no mito da nossa unidade primitiva. Inicialmente, havia três gêneros de
seres humanos, sendo todos duplos de si mesmo. Tínhamos o gênero
masculino/masculino, o feminino/feminino e o masculino/feminino, chamado de
andrógino. Ao desafiarem os deuses, estes acabam sendo divididos e condenados
por ZEUS a procurarem por sua metade verdadeira.
Dessa forma, os
que foram um corte do andrógino, do homem ou da mulher buscam constantemente o
seu contrário, elemento que para Aristófanes explica o amor heterossexual e
homossexual. Nesse sentido, as pessoas passam a buscar sua outra metade naquilo
que não encontram em si e quando a encontram, elas sentem as mais diversas
sensações, não querendo se separar, procurando novamente se fundir em um só.
Por sua vez, esta fusão não é representada apenas pelo ato sexual, mas também
pelo casamento ou qualquer tipo de ritual que estabeleça uma ligação/aliança.
Portanto, de acordo com o mito, o AMOR é o desejo e a procura da nossa metade
perdida.
Neste texto,
Sócrates defende que o AMOR é certamente desejado, porém o objeto do AMOR só
pode ser desejado pela identificação de uma falta e não quando se possui algo,
visto que ninguém deseja aquilo que já se tem. Ninguém deseja aquilo que não
precisa. Nesse caso, o conceito de AMOR apontado por Sócrates é o de que só
amamos aquilo que não temos. Por isso, se alguém ama a si próprio, ama o que
não é. O AMOR é aquilo que falta, pois o objeto do AMOR sempre está ausente,
sendo sempre solicitado. Devido a isso, surge a inquietação de que algo está
mais além. Daí a origem da busca, a procura de algo ou alguma coisa que nos
falta. A eterna sensação de que não estamos completos.
Complicado? Pode
ficar ainda pior. Ou, talvez, melhor.
Quem busca uma
explicação ou justificativa para o AMOR pode se perder em um labirinto de
ideias. Algumas boas, outras ruins. Mas de qualquer modo, isso não implica no
não amar, sendo talvez uma forma de externalizar algo que se sente. A própria
literatura nos dá diversos exemplos e não é difícil identificar, em um único
autor, visões múltiplas do AMOR. De modo especial, tenho um carinho enorme pelo
poeta Carlos Drummond de Andrade e quando quero me encontrar ou me perder, em
conselhos amorosos, recorro a ele.
De alguma forma
o AMOR gera dúvidas que fazem parte do processo de amadurecimento. O problema
não é quando a pergunta tem uma resposta, mas quando se tem MEDO de fazer a
pergunta e ter uma resposta. Em seu poema “Amar”, do livro Claro enigma,
Drummond apresenta vários questionamentos que longe de indicar uma solução
amplia os caminhos a seguir ou fugir:
AMAR
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa,
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa,
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
Contudo, o AMOR também é desencontro, pois amaldiçoados por
ZEUS, procuramos o que nos falta no outro. Durante a jornada, nos perdermos,
nos machucamos e sofremos. Desiludidos e magoados, partimos para uma nova
busca. Neste buscar, encontrar e novamente se perder entra o TEMPO, e Drummond
nos oferta outra visão no poema “Amor e seu tempo”, do livro As impurezas do
branco:
Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.
É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe
valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.
Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.
É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe
valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.
Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.
Mas também, o AMOR
pode ser destruidor. Destruidor quando não se enxergar o outro. Destruidor
quando se exige uma quantificação do que se sente. Destruidor quando o MEDO de
sofrer é mais forte do que o de amar. Desse modo, Drummond mostra no poema
“Destruição”, do livro Lição de coisas, algo que sabemos, mas preferimos negar:
Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.
Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.
Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.
E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir mas o existido
continua a doer eternamente.
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.
Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.
Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.
E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir mas o existido
continua a doer eternamente.
O
AMOR é múltiplo, contraditório, simples, complicado, esquisito, bonito,
feinho... Pode se tentar explicá-lo e defini-lo, sendo que alguns tentam até
medir a sua força, intensidade e (in) finitude. Nessa direção, penso numa
passagem dita pela personagem Hazel Graze do livro A culpa é das estrelas, de
Jonh Green:
“Não sou formada em
matemática, mas sei de uma coisa: existe uma quantidade infinita de números
entre 0 e 1. Tem o 0,1 e o 0,12 e o 0,112 e uma infinidade de outros.
Obviamente, existe um conjunto ainda maior entre o 0 e o 2, ou entre o 0 e o 1
milhão. Alguns infinitos são maiores que outros... Há dias, muitos deles, em
que fico zangada com o tamanho do meu conjunto ilimitado. Eu queria mais
números do que provavelmente vou ter”
E falando em INFINITO, podemos
lembrar o nosso bom e velho Vinicius de Moraes no seu “Soneto da fidelidade”:
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
O AMOR é múltiplo, finito e
infinito... O AMOR é busca, encontro e perda. O AMOR pode ser o que queremos e
o que não queremos dele. Mas penso que diante de todas as suas faces, a que
mais perturba é quando assume a posição do MEDO. Mas não é a busca ou a perda
que faz surgir o MEDO. Talvez ele venha da incerteza de se trilhar o (s)
caminho (s). De qualquer forma, Drummond diz que “além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.”
Vamos viver então!