domingo, 7 de fevereiro de 2016

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE IRONIA/SARCASMO

Em diversos lugares, encontramos frases, posts ou mensagens que difundem um pensamento jocoso/malicioso, arrancando às vezes um sorrisinho ou algo mais. Além disso, todos têm aquele amigo, amiga, parente, vizinho ou colega de trabalho que adora atirar as suas farpas, ouvindo assim os devidos elogios: “Só podia ser você!”, “Você é demais!”, “Você não tem jeito!”...
Contudo, não basta querer ser irônico. É preciso entender que essa arte de dizer o contrário do que se pensa requer inteligência e o reconhecimento de que o que afeta o outro também incide sobre mim.
A palavra IRONIA (do grego eironeia - EIRON = fingido) designava na sua origem a arte de interrogar com o propósito de provocar a maiêutica ou o surgimento de ideias. Nesse sentido, ela foi muito usada no método socrático, que consistia em propor questões simples e ingênuas a um interlocutor dogmático a fim de mostrar a fraqueza de suas opiniões. O resultado do processo acabava irritando ou ridicularizando o adversário e, consequentemente, levava a um entendimento da verdade e no alargamento progressivo das consciências. Por sua vez, o termo SARCASMO (do grego sarkasmos ou sarkázien - SARKA = carne / ASMO = queimar / ZIEN = arrancar) significava arrancar ou cortar a carne. E por que pensar sobre a etimologia destas palavras?
Inicialmente, a IRONIA está relacionada à ideia de dissimulação e disfarce, um ocultar. Mas eu só posso ocultar algo que eu já conheço ou descobri e dessa forma isso pressupõe que o outro não compreenda, ao menos de imediato, o pensamento conhecido por mim. Já no SARCASMO, cortar ou arrancar a carne implica em tirar algo que é ou está preso, fixo ou intrínseco ao sujeito. Portanto, o que está em jogo é uma noção de duplo, um EU detentor de um conhecimento e um OUTRO que desconhece. Logo, a sua estrutura básica é a aproximação de dois pensamentos, situando-se no limite entre duas realidades.
Para quem gosta de diferenças, a IRONIA reside no emprego escamoteado do contraste para perturbar o interlocutor, ao passo que o SARCARMO lança mão da dualidade para aniquilá-lo. A IRONIA parece respeitar o próximo, enquanto o SARCARMO é demolidor. Contudo, para usar as duas formas é preciso levar em consideração o seguinte: o que eu conheço não me torna melhor que o outro, pois o que ele desconhece, eu já reconheci ou descobri em mim. E para justificar isso, os exemplos não faltam.
Como professor, já ouvi mais de uma vez a frase “Todo professor é neurótico”. Ora, Freud nos apresenta que “o neurótico afasta-se da realidade por achá-la insuportável - seu todo ou parte dela”, assim todos nós somos neuróticos, alguns em maior, outros em menor grau. Isso porque constantemente repelimos coisas que nos causam desprazer, é um processo automático. Além disso, fomos socializados e educados e nossos instintos e desejos são reprimidos desde a nossa infância. O problema não é ser neurótico, a questão é que quando estas vontades inconscientes são muito fortes, precisamos de muita energia para impedir que elas invadam a consciência. Dessa maneira, entender que existe um conflito já é o primeiro passo para enfrentar nossas neuroses. Assim, chamar um professor de neurótico pelo fato de ter uma profissão diferente não faz de você um sujeito irônico nem sarcástico, mas mostra que além de não conhecer a si e o conceito psicanalítico, você também não saber o que é IRONIA/SARCASMO.
Nessa direção, já ouvi alguns machistas de plantão com a piadinha infame de que “Mulher histérica é um bom exemplo de pleonasmo”. O conceito foi empregado de diversas maneiras, em períodos históricos e contextos culturais diferentes. Por vivermos em uma sociedade patriarcal que ainda reforça o poder do homem, não é de se estranhar que a histeria foi vista como um distúrbio feminino. Contudo, Julia Barossa destaca, em seu livro Histeria - Conceitos de Psicanálise, que “a histeria é uma reação humana ao conflito potencialmente universal”, assim todos nós temos um grau de histeria. Uns mais, outros menos. O problema reside no fato de que masculino e feminino acaba sendo entendido como categorias que se busca refutar ou seguir. Daí a HISTÉRICA/HISTÉRICO sempre querem, mas refutam responsabilidades ou as consequências desse querer, ela e/ou ele querem, mas se recusam a ter.
Assim, nos movimentamos constantemente entre o QUERER/TER, mas fugimos das responsabilidades e consequências. Lendo esta reflexão sinto um corte na minha própria carne, arrancando algo que descubro, reconheço e vejo em mim. Poderia ser sarcástico comigo mesmo? O curioso é que isso se soma a leitura do conto Amor, de Clarice Lispector. A personagem Ana QUER e TEM uma família. Filhos, marido e um apartamento que ao poucos ia pagando. Tinha um marido e filhos verdadeiros, a consolidação do patriarcado. No entanto, o corte ocorre quando ela percebe que também sem a felicidade se vivia, se vivia como quem trabalha. Parece que Ana quer aquilo, mas há o início de uma rejeição.
O que isso tem haver com IRONIA/SARCASMO? Tudo. Não adianta usar a histeria como uma solução para “o fardo” da masculinidade, na medida em que corroboramos para a manutenção da sociedade patriarcal. Querer ser feliz e ainda rejeitar esta estrutura é uma fonte geradora de conflitos, com isso temos mais neuróticos e mais histéricos. Seria isso uma IRONIA ou SARCASMO?
De qualquer modo, vale destacar que a IRONIA/SARCASMO depende de um contexto e fora dele o seu efeito desaparece. Por isso, ao pensar nestes termos procure identificar o obscurantismo resultante e não condicioná-lo ao ambiente psicológico. O que isso significa?

Nem tudo que lhe serve na cabeça é carapuça.

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